A
Escola dos meus Sonhos
Frei
Betto
Na
escola dos meus sonhos, os alunos aprendem a cozinhar, costurar, consertar
eletrodomésticos, a fazer pequenos reparos de eletricidade e de instalações
hidráulicas, a conhecer mecânica de automóvel e de geladeira e algo de
construção civil. Trabalham em horta, marcenaria e oficinas de escultura,
desenho, pintura e música. Cantam no coro e tocam na orquestra. Uma semana ao
ano integram-se, na cidade, ao trabalho de lixeiros, enfermeiras, carteiros,
guardas de trânsito, policiais, repórteres, feirantes e cozinheiros
profissionais. Assim aprendem como a cidade se articula por baixo, mergulhando
em suas conexões que, à superfície, nos asseguram limpeza urbana, socorro de
saúde, segurança, informação e alimentação.
Não
há temas tabus. Todas as situações-limite da vida são tratadas com abertura e
profundidade: dor, perda, falência, parto, morte, enfermidade, sexualidade e
espiritualidade. Ali os alunos aprendem o texto dentro do contexto: a
Matemática busca exemplos na corrupção dos precatórios e nos leilões das
privatizações; o Português, na fala dos apresentadores de TV e nos textos de
jornais; a Geografia, nos suplementos de turismo e nos conflitos
internacionais; a Física, nas corridas de Fórmula-1 e nas pesquisas do
supertelescópio Huble; a Química, na qualidade dos cosméticos e na culinária; a
História, na violência de policiais contra cidadãos, para mostrar os antecedentes
na relação colonizadores - índios, senhores - escravos, Exército - Canudos,
etc.
Na
escola dos meus sonhos, a interdisciplinaridade permite que os professores de
Biologia e de Educação Física se complemente; a multidisciplinaridade faz com
que a História do livro seja estudada a partir da análise de textos bíblicos; a
transdisciplinaridade introduz aulas de meditação e dança e associa a história
da arte à história das ideologias e das expressões litúrgicas. Se a escola for
laica, o ensino religioso é plural: o rabino fala do judaísmo, o pai-de-santo,
do candomblé; o padre, do catolicismo; o médium, do espiritismo; o pastor, do
protestantismo; o guru, do budismo, etc. Se for católica, há periódicos retiros
espirituais e adequação do currículo ao calendário litúrgico da Igreja. Na
escola dos meus sonhos, os professores são obrigados a fazer periódicos
treinamentos e cursos de capacitação e só são admitidos se, além da
competência, comungam os princípios fundamentais da proposta pedagógica e
didática. Porque é uma escola com ideologia, visão de mundo e perfil definido
do que sejam democracia e cidadania. Essa escola não forma consumidores, mas
cidadãos.
Ela
não briga com a TV, mas leva-a para a sala de aula: são exibidos vídeos de
anúncios e programas e, em seguida, analisados criticamente. A publicidade do
iogurte é debatida; o produto adquirido; sua química, analisada e comparada com
a fórmula declarada pelo fabricante; as incompatibilidades denunciadas, bem
como os fatores porventura nocivos à saúde. O programa de auditório de domingo
é destrinchado: a proposta de vida subjacente, a visão de felicidade, a relação
animador-platéia, os tabus e preconceitos reforçados, etc. Em suma, não se
fecham os olhos à realidade, muda-se a ótica de encará-la. Há uma integração
entre escola, família e sociedade. A Política, com P maiúsculo, é disciplina
obrigatória. As eleições para o grêmio ou diretório estudantil são levadas a
sério e, um mês por ano, setores não vitais da instituição são administrados
pelos próprios alunos. Os políticos e candidatos são convidados para debates e
seus discursos analisados e comparados às suas práticas.
Não
há provas baseadas no prodígio da memória nem na sorte da múltipla escolha.
Como fazia meu velho mestre Geraldo França de Lima, professor de História (hoje
romancista e membro da Academia Brasileira de Letras), no dia da prova sobre a
Independência do Brasil, os alunos traziam para a classe a bibliografia
pertinente e, dadas as questões, consultavam os textos, aprendendo a pesquisar.
Não há coincidência entre o calendário gregoriano e o curricular. João pode
cursar a 5ª série em seis meses ou em seis anos, dependendo de sua
disponibilidade, aptidão e seus recursos. É mais importante educar do que
instruir; formar pessoas que profissionais; ensinar a mudar o mundo que
ascender à elite. Dentro de uma concepção holística, ali a ecologia vai do meio
ambiente aos cuidados com nossa unidade corpo-espírito e o enfoque curricular
estabelece conexões com o noticiário da mídia.
Na
escola dos meus sonhos, os professores são bem pagos e não precisam pular de
colégio em colégio para se poderem manter. Pois é a escola de uma sociedade em
que educação não é privilégio, mas direito universal, e o acesso a ela, dever
obrigatório.
Frei Betto é escritor,
autor do romance "O Vencedor" (Ática), entre outros livros.
Disponível em: http://www.bancodeescola.com/freibeto.htm
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